sábado, 27 de fevereiro de 2016

Astrogilda

Tudo estava bem, observava a janela do alto apartamento na Tijuca, quando sentiu um desconforto.
Uma azia desconcertante lhe embrulhou o estômago, e precedeu uma abrupta falta de ar, ela entendeu no auge de sua experiência e do conhecimento adquirido, que era chegada sua hora.Jogou-se ao chão, sem cerimônia, na esperança de que alguém talvez lhe ouvisse e lhe socorresse, tudo em vão.
Aquela altura da vida, dividia o apartamento com uma advogada de quarenta e tantos, solteira, sem filhos e que dormia no cômodo ao lado, bem tranquila e enrolada sob um Edredom, naquela madrugada fria de uma quinta-feira.
Já agonizando de costas, lembrou de sua vida que considerava como boa, afinal, não existiu coisa que sonhasse que não tivesse ido atrás, por conta disso, já havia perdido a conta do número de casas que morou e, tampouco sabia dizer quantas sarjetas enfrentou enquanto fugia da chuva, perambulando pelas ruas.Pensou em sua mãe, da qual foi separada logo cedo, pensou em seus tantos filhos, alguns com família, alguns sós e outros mortos, todos espalhados pelo mundo.Gostava muito da vida, insistiria enquanto houvesse forma de evitar perdê-la, foi essa vontade que fortaleceu suas pernas frágeis e a fez rastejar de costas até o corredor, poderia mas não foi sequer suficiente para chegar a porta de sua companheira de apartamento, morreu ali no corredor, dona de uma vida longa e plena, totalmente refém de seus prazeres e vontades.
De manhã, quando acordou, ao ver o corpo no meio do corredor, a advogada gritou,estava em choque, em pânico, não podia acreditar no que via, não conseguiu mexer um membro sequer. Berrou a empregada que, aparentemente, estava mais acostumada a este tipo de tragédia, bem mais acostumada, pegou um algodão na armário do banheiro e, como se não fosse nada, se livrou do corpo da barata.

Allan Bonfim.