sábado, 26 de março de 2011

O Romancista

Estava lá sentado em sua cadeira velha,apoiado numa escrivaninha velha que ele insistia em conservar na mobília,apesar do tempo.Tinha a frente um caso difícil de lidar,talvez o mais desafiador de seus trabalhos.Ele,escritor de tantos poemas,poesias e novelas,de repente deu de cara com esta história que lhe fugia,lhe escapava ao seu comum,ao seu gosto.

Era a história de "Natália e Marcos",aparentemente eram um casal comum de jovens,que não fugiam ao script de um romance,pois,eles se apaixonaram loucamente,trocaram emails,que seriam as antigas cartas,ele lhe presenteava com flores e lhe dedicava canções ao pé de um "Karaoquê",que seriam as antigas serenatas,eles noivaram e fizeram planos juntos como os outros casais apaixonados,sobre quem ele sempre escreveu.Porém tudo mudou,aconteceu um pouco depois que ela se formou na faculdade e ele conseguiu sua primeira promoção de cargo.

Eles se casaram,foi aí que o Romancista se viu desesperado,pois ele começou a ver coisas que não eram comuns em romances de sua autoria,algumas ele até fingia não ver,pensava que poderiam ser coisas da nova época,reflexos corriqueiros de uma gente nova,mais "liberal",e o tempo foi passando,ele escrevendo sobre as constantes brigas dos dois,sobre o caso que Marcos mantinha com a recepcionista da empresa,sobre a tristeza de Natália que sabia de tudo mas calava pois no fundo ainda amava,ou pelo menos,assim acreditava o Romancista.

O tempo passou e,de uma rara noite romântica dos dois,nasceu Isabela nove meses depois.A vida parecia estar acalmada e resolvida,alegria para o Romancista,se no aniversário de sete anos de Isabela,Natália não tivesse conhecido Henrique,primo de uma de suas amigas,se Marcos não tivesse retomado o caso com a antiga recepcionista,agora secretária particular.O Romancista estava triste,descrente e arregalou os olhos quando viu o que tinha escrito naquela linha que foi decisiva para a história de "Natália e Marcos" e para sua própria história.

"Marcos passava por uma calçada voltando do horário de almoço quando,de relance,olhou em direção a vitrine de um restaurante e viu Natália e Henrique,a trocarem olhares,carícias e,enfim beijos.Marcos continuou a caminhar em direção ao prédio onde trabalhava,mas carregava um olhar de ódio e tristeza.Conversou com sua secretária e amante,que lhe chamou um homem misterioso,de capa.Ficaram os três dentro da sala por uns cinco minutos,o homem saiu apressado".

O Romancista,boquiaberto com o que escrevera,permaneceu com a caneta por sobre o papel,parada.Estava curioso e,ao mesmo tempo,receoso sobre o que aquelas linhas ainda tinham por revelar,continuou então sua escrita.

"Ás dezoito horas,horário da saída de Marcos,o homem de capa apareceu com um embrulho volumoso,o qual ele entregou à Marcos que lhe deu um bolo de notas aparentemente contadas.Marcos acompanhado de sua amante,pronunciou a seguinte frase:

- Grava bem esse dia,porque hoje,morre a Natália pra mim,só há a Isabela."

O Romancista não podia crer naquelas palavras que saiam da sua caneta,seria um revólver o que trazia o homem da capa?

Teria Marcos,comprado tal arma para dar fim a vida de sua esposa,a mãe de sua filha?

O Romancista entrou em pânico e cometeu seu segundo erro naquela história,o primeiro foi escrever Henrique como um abono pra Natália por ser traída por anos.Este foi ainda mais grave,escrevia um revólver sobre a mesinha de centro,seria então,um modo de Natália se defender daquela armadilha que Marcos estava prestes a fazer,mas no hora do desespero,se esquecem os detalhes,e era detalhe que o dia em questão era uma terça feira,dia que,enquanto Natália se divertia com Henrique,Isabela chegava em casa trazida pela mãe de uma de suas amigas da natação.

O Romancista perdido entre medo,pânico e desespero,cometeu o terceiro erro,o que selava todos os cometidos e ditava por si só os que viriam a acontecer.Escreveu a si próprio,transferiu-se para a história e chegou bem antes que Isabela.Só havia um problema,uma vez dentro da história,ele passava a ser um personagem,e portanto,não mais podia controlar ou saber do que acontecia fora de sua cena.Não sabia então,que a mãe da amiga de Isabela,aprontou para a filha uma festa surpresa,na qual Isabela estava presente naquele horário.

"Marcos abre a porta do apartamento e fica surpreso por estar destrancada,pensa então que Natália está,mas,ao chegar na sala encontra um senhor de aparência bem abatida e cansada,ele logo pensa em chamar a polícia,o velho porém,lhe diz que sabe sobre sua vida,sobre sua mulher,sua filha e sua secretária.Marcos fica desconfiado,mas continua com a idéia de chamar a polícia,o velho então saca um revólver e acusa marcos de ter comprado uma arma para executar sua mulher.Marcos,agora nervoso e com medo,tenta explicar ao velho que há um engano,e puxa o embrulho volumoso de sua valisa,mas o velho está desequilibrado e atira em Marcos duas vezes,que cai sem jeito e morto no chão,junto ao envelope volumoso que se abre,mostrando fotos de Natália e Henrique e ainda uma fita de vídeo que ele comprova ser também dos dois.Na valisa,ainda tinha alguns papéis que seriam de divórcio.Logo se escuta uma correria por todo o prédio,o velho vê Natália à porta com a face surpreendida e só.

Tempos depois acorda na cela de uma cadeia,e tem uma parede cheia de bilhetes que ele mesmo escreveu,todos com a mesma mensagem:

Reescreva-me e apague-a,

Para quem ler o caderno.”

É claro que ele só passou a escrever tais coisas,depois que viu o que tinha feito,percebeu que no seu julgamento não foram citadas fotos ou fitas de vídeo,percebeu que Natália tinha um semblante despreocupado,e principalmente,percebeu quem era Natália de verdade em um dia de visita,quando,de frente para ele,através do vidro,ela escreveu:

“Obrigado pela minha história”.

Surpreendeu-se com a mensagem,surpreendeu-se com a Natália que estava à sua frente,que criara,e surpreendeu=se com a base da mensagem,era um papel pardo,era o envelope,o mesmo usado no embrulho volumoso que continha as fotos,a prova de sua traição,tais provas nunca foram encontradas,pois assim como aquela mensagem que só o velho leu,todo o resto foi queimado.É claro que o os bilhetes do Romancista se dirigiam a mim,mas eu não poderia obedecer às ordens de um,agora,louco.Deixei que o tempo passasse e o Romancista aprendesse com seus próprios erros,afinal,quando se escreve um romance,não se deve manipular seus personagens e sim deixar que a história corra naturalmente,deve-se apenas dar a ela,início meio e fim,e foi o que eu fiz quando rasguei a maldade de Natália e escrevi:

"O velho louco que assassinara Marcos,foi condenado a prisão perpétua,mas por seu estado,passou seus últimos dias de vida em uma clínica psiquiátrica.A viúva,que herdou todos os bens do falecido marido,foi amparada por Henrique com quem mais tarde se casou e teve mais um filho,João.Dizem que eles foram muito felizes até a sua morte."

Allan Bonfim.

terça-feira, 15 de março de 2011

Sertãozinho

Acorda,abre a janela e se tá sol,sai correndo rumando o quintal.Junta a palha,cata a folha,chuta o cachorro e entra "pra dentro".A mãe lhe penteia o cabelo e o pai lhe traz flores e a batata da terra que colheu,Na casa simples de dois cômodos,existem sala-cozinha/quarto dos pais-quarto da filha.O banheiro é lá fora e trancado pra o vira-lata magrelo e feio não entrar.Cachorro ali dorme no sereno,cuidando da plantação bem no meio do terreiro.Cachorro feio,com a aparência descascada,leva é chute.
Ás nove horas,Sinhô Marcílio passa trazendo o vestido verde e desbotado de velho,com tanto remendo que Sinhô nem cobra mais pra costurar.Ela corre no terreiro,bota na cara um sorriso e levanta poeira na correria.Pega o vestido,agradece e entrega o pão de batata que o pai faz,orgulhoso não aceita nada de graça.Sinhô Marcílio se despede,mão na ponta do chapéu e olhos nos peitos da mocinha.
A mãe lhe recebe com um tapa por levantar poeira,rosto franzido de raiva passageira,coisa de filha,ela veste a roupa verde e velha e pede ajuda a mãe.O pai fica lá fora,nessas coisas não se mete,vai fingir cuidar do cachorro e fica chutando de leve,o animal acostumado a "bicão",acha até que aquilo é carinho.
- Demora,sô ! resmunga o pai cansado de fritar embaixo do sol.
A mãe abre a porta e a única janela da casa,a mocinha tá pronta com a palha envolta na cabeça e nas pernas,a flor presa no cabelo e o vestido velho,e ainda acha que está bonita,e até estaria,se não fosse a palha,a flor e o vestido,assim mais parece um espantalho de jardim.A mãe lhe sorri,o pai abraça e dá a "bença" à filha,que sai correndo pela estrada levantando uma poeirada danada,não sem antes se despedir do cão com um chute monumental,vai sumindo ao longo da estrada de barro,cantando:
"Olê,olá
quero vê quem vai pulá
a carniça mais fidida
que vem lá do Ceará"
Afinal,era Carnaval.
Allan Bonfim.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pra Tudo Se Acabar Na Quarta-Feira

A grande paixão
Que foi inspiração
Do poeta é o enredo
Que emociona a velha-guarda

Lá na comissão de frente
Como a diretoria
Glória a quem trabalha o ano inteiro
Em mutirão

São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinista, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão

E que tem sonhos
Como a velha baiana
Que foi passista
Brincou em ala

Dizem que foi o grande amor de um mestre-sala
O sambista é um artista
E o nosso Tom é o diretor de harmonia
Os foliões são embalados

Pelo pessoal da bateria
Sonho de rei, de pirata e jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira
Mas a quaresma lá no morro é colorid
a
Com fantasias já usadas na avenida
Que são cortinas, que são bandeiras
Razão pra vida tão real da quarta-feira
É por isso que eu canto


Martinho Da Vila.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Retalhos De Cetim

Ensaiei meu samba o ano inteiro,
Comprei surdo e tamborim.
Gastei tudo em fantasia,
Era o que eu queria.
E ela jurou desfilar pra mim


Minha escola estava tão bonita.
Era tudo o que eu queria ver,
Em retalhos de cetim
Eu dormi o ano inteiro,
E ela jurou desfilar pra mim.


Mas chegou o Carnaval,
E ela não desfilou,
Eu chorei na avenida, eu chorei.
Não pensei que mentia a cabrocha que eu tanto amei.


Benito Di Paula.