sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Boi de Piranha

Um passo adiante já me cansa
Quando moço, corria as sete freguesias
E não havia ninguém que me botasse limite
Terra amarela essa da margem do rio
O corpo ardido, furado, meus cortes
Se jovem, um matuto me encarava, era carreira na certa
O moço castiga meu dorso com chicote
O olho chora, eu insisto em gritar, ele me sangra
Lembro minha mãe me aleitando debaixo do cajazeiro
Não sou covarde, mas tenho medo
Na vida inteira nunca dei passo atrás, eu avanço
Gosto de imaginar qu'é como aprender a andar de novo
Chegar aqui é dar de cara com a morte
Minhas pernas já brecaram
O moço me lanha forte com o chicote
Penetro o rio, que sofrimento
Lembro de quase coisa nenhuma de quando nasci
Só senti um aperto, vista embaçada, meu couro molhado
Depois veio a queda,e a poça de sangue,e o cheiro de mato
A língua de minha mãe, não esqueço
Avanço rio adentro, a água pontando no pescoço
Olho rio acima, minha família, grito
A água é só sangue, elas vêm fazer a festa
Sinto o meu couro molhado, e já não arde mais
Sei que pro moço eu já sumi, sinto a língua de minha mãe
E a boiada segue viagem.

Allan Bonfim.



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